Com apenas uma passagem na mão, um morador do Recreio chegará ao Centro da cidade. Primeiro, embarcará num corredor exclusivo de ônibus, o Bus Rapid Transit (BRTs). Depois, sem trocar de passagem, usará o metrô. O mesmo se passará com moradores da Tijuca ou de Copacabana. Através da integração entre diferentes meios de transporte, poderá se chegar a qualquer lugar da cidade, não importando a distância. Os ônibus terão uma proposta diferente. Oferecerão amenidades, como TV, e darão suporte a BRTs, metrô e trens, em trajetos curtos. Hoje, em meio ao caos nos transportes em que o Rio está mergulhado, é bem difícil acreditar que tudo isso se tornará realidade a tempo de beneficiar as Olimpíadas. Mas especialistas em transporte público e autoridades consideram plenamente viável.
O futuro sonhado é o da integração. Os envolvidos com a tarefa de planejar o transporte público dos próximos anos usam o termo “metronização” para tentar explicar o que deve acontecer com a cidade.
— Todos os ônibus se ligarão aos BRTs e às linhas de metrô. As linhas serão reordenadas. Toda estação será adaptada para receber o processo de integração — promete o presidente executivo da Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor), Lélis Teixeira.
Desde que o Rio ganhou o direito de sediar os Jogos Olímpicos de 2016, a prefeitura se prontificou a apostar nos BRTs. São corredores exclusivos para ônibus específicos que, separados do restante do trânsito, podem andar livremente, sem interrupções. O BRT da Transoeste (que liga Santa Cruz à Barra) serve como exemplo do que pode acontecer quando os outros três, a Transcarioca (Barra-Aeroporto Internacional), a Transolímpica (Recreio-Deodoro) e a Transbrasil (Deodoro-Aeroporto Santos Dumont), forem concluídos (a previsão é que todo os sistema esteja em funcionamento até o final de 2015).
Por um lado, o tempo de trajeto, que era de mais de duas horas antes do corredor, passou a ser feito em 40 minutos. Por outro, já começam a aparecer casos de superlotação e ainda há atropelamentos na via. Neste último ponto, também por desrespeito dos pedestres. Até 2016, o corredor deverá chegar ao Jardim Oceânico, na Barra, onde os passageiros poderão fazer a baldeação para a Linha 4 do metrô, prevista para entrar em operação a partir do primeiro semestre daquele ano.
Os 145 quilômetros dos BRTs favorecerão o sonhado projeto de integração pública da cidade. Com eles, sairão de cena 2.350 ônibus das ruas. Hoje, eles são 9 mil. Com isso, espera-se que o trânsito da cidade possa melhorar consideravelmente.
Os únicos veículos de transporte público que funcionarão como ônibus serão alimentadores dos corredores, do metrô e do trem. Exercerão um papel similar ao das vans atualmente, que é o de receber passageiros em roas menores.
— Quando as vans surgiram, em 1990, passaram a fazer o que o poder público não fazia, que era chegar a espaços menores. Esse tipo de veículo se adaptou mais rapidamente à população — acredita Alexandre Rojas, professor do Centro de Tecnologia da Universidade do Estado do Rio (Uerj).
Mas as vans, que este mês já foram tiradas de alguns bairros, do Rio deverão se tornar coisas do passado em toda a cidade. Em seu lugar, a promessa é de ônibus menores e com rotas integradas.
Lélis Teixeira dá mais detalhes sobre como será o design dos ônibus do futuro. Os "alimentadores" deverão ter a mesma cor dos veículos dos BRTs (azul) e ar-condicionado, além de televisão. O tamanho ainda é indefinido. Sabe-se que poderão chegar a ter 13,20 metros. Os atuais têm, em média, 11 metros. Os pontos de ônibus também deverão ser reformados, com a instalação de telas que mostrarão quanto tempo falta para chegar um novo carro.
Já o prefeito Eduardo Paes queria o metrô, mas defende os investimentos nos BRTs.
— Ele chegaria a todos os lugares. Só que existe o problema de custo. O BRT é uma solução brasileira. A experiência na Transoeste, porém, tem sido excepcional. O tempo de trajeto diminuiu consideravelmente.
O prefeito reconhece a situação crítica dos ônibus na cidade. Para ele, os veículos do BRT não podem ser considerados nesta categoria.
— Há muitos ônibus na cidade. Queremos diminuir o número de veículos e também o trajeto deles. Vão servir mais como complementos dos corredores. Imagine uma pessoa que mora em Bento Ribeiro, na Zona Norte. Ele não terá um corredor que passe perto da sua casa. Mas poderá, porém, pegar um ônibus que o transporte a Madureira, onde terá acesso a um BRT — explica.
Os ônibus serão monitorados pelo Centro de Operação e Controle que será instalado no Terminal Alvorada, na Barra, até o final do ano que vem. O local terá a visão inclusive dos ônibus Bus Rapid Service (BRS), que trafegam em faixas exclusivas de alguns lugares da cidade e ajudam a aliviar os corredores e o metrô. São as linhas azuis que aparecem nas ruas de Copacabana.
Coordenador do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, Marcio D’Agosto defende ônibus maiores e com portas mais largas, que possam transportar mais passageiros.
— Até vejo algumas linhas com ônibus bem equipados e espaçosos. Mas não acontece com todas. Veículos da Zona Sul e do Centro costumam ser bem melhores do que os do restante da cidade. Seria interessante criar um padrão e aumentar a fiscalização sobre a manutenção — argumenta.
Rojas lembra que, para a integração completa, também será necessário o investimento nos trens e metrôs.
— Não dá para esquecer, também, os investimentos nestes meios. Até para que possam servir para a integração aos corredores e ônibus. Uma solução que considero boa seria transformar as linhas de trem em metrô.
Para D’Agosto, o governo também poderia investir na sustentabilidade dos novos veículos. Os ônibus seriam híbridos, dotados de um motor elétrico e outro movido a biodiesel.
— Em algumas cidades do Brasil já existe este tipo de ônibus. Houve estudos no Rio. O caso agora é começar a trabalhar, efetivamente, na implantação deste tipo de método.
Para o prefeito, da maneira que os ônibus funcionam hoje, não é possível pedir às pessoas que deixem os seus carros em casa e apostem no transporte público:
— Não faz sentido fazer este pedido. Não é o sistema ideal. No futuro, com toda a ideia de integração mais elaborada e funcionando adequadamente, poderemos, sim, dizer à população que ela tem uma outra opção para chegar ao trabalho ou a qualquer destino que deseje. Hoje isso não é possível.
A logística deficiente e antiquada dos ônibus influencia o trânsito. São Paulo é a cidade que mais sofre com os engarrafamentos. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os moradores demoram, em média, 42,8 minutos de casa para o trabalho. Os cariocas fazem o mesmo trajeto num tempo 12 segundos menor do que os paulistas: média de 42,6 minutos. Em Porto Alegre são 27,7 minutos.
— A logística usada hoje foi desenvolvida há mais de 50 anos. A ideia era que as linhas fizessem trajetos de longas distâncias. Funcionou no passado, mas o Rio mudou — afirma Rojas.
Com o trânsito caótico e um sistema de transporte ineficaz, os passageiros reclamam. Entre eles, o economista Júlio Mereb:
— O serviço é caro. A qualidade do trabalho dos motoristas é ruim, muitos ainda fazem a dupla função: dirigir e cobrar.
Mesmo entre os passageiros que usam a única linha de BRT que já está funcionando, há reclamações.
— As linhas alimentadoras demoram e o BRT trafega superlotado — resume a professora Márcia Tamoio.
Sobre mudanças no trânsito, não há uma opinião unânime. O prefeito diz não saber, mas quer garantir uma opção de qualidade para os donos de carros. D’Agosto é mais cético. Para ele, culturalmente o carioca prefere o carro e, se tiver a oportunidade, não vai deixar de usar o veículo particular.
— As pessoas que hoje usam a Transoeste são as mesmas que antes usavam o ônibus. Os que têm carros vão continuar a usar carros. A maior razão para os engarrafamento é o excesso de veículos particulares— alega.
Os ônibus acabam sendo uma das últimas opções. O advogado Pedro Lannier, por exemplo, costuma se deslocar de carro. E, antes do ônibus, prefere o metrô, nem que tenha que lançar mão dos conveniados com a concessionária ferroviária.
— Além dos motoristas serem mal treinados, há uma cultura do individualismo que tende a se consolidar — acredita Lannier.
Rojas concorda sobre o fator cultural dos cariocas. Pesquisa realizada pela Uerj há cinco anos, inclusive, mostrava a questão do status como uma das principais razões para as pessoas não deixarem o carro na garagem e usarem o transporte público.
— A imagem de chegar de carro a algum lugar e mostrar isso para os outros ainda será muito forte. Na teoria, a ideia do ônibus do futuro é importante. Mas não sei se a população vai mudar seus hábitos — questiona.


Fonte: Jornal O Globo 



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